Toda mulher tem uma história para contar sobre os seus
cabelos. Principalmente, nós, negras e mestiças. Eu mudei meu visual e estou
muito feliz! Estou de corte novo, cabelos encaracolados e renovadíssima. Decidi voltar a usar os meus cabelos naturais, como
ele é realmente: crespo e encaracolado!
E estou em processo de transição,
que corresponde ao período em que você para de usar quimicas de alisamento,
relaxamento e progressivas até voltar o cabelo todo ao natural. Há cinco meses venho usando
apenas tratamentos naturais e
adequados, que valorizam a beleza
do cabelo crespo, cacheado e afro.
Falar sobre isso aqui no blog é muito importante porque sei
que tem muita gente procurando o mesmo. Nós, as encaracoladas, somos a maioria
no Brasil! Descendentes de negros, índios e brancos, somos um belo retrato da
diversidade humana. Mas precisamos, antes de tudo, nos conhecer, nos entender, nos aceitar e, fundamentalmente, valorizar
quem somos!
Por isso, eu quero compartilhar com vocês um pouquinho da
minha história. Desde criança eu gosto de cachos nos meus cabelos. Sempre
admirei este efeito de volume na cabeça das pessoas. Eu mesma tinha pequenos caracóis
que foram sendo modificados com o tempo, com químicas para alisamento,
relaxamento e mais recentemente com as progressivas
que esticam o cabelo até a ponta, passando a prancha várias vezes até retirar
qualquer vestígio de anelado. Sim, eu me submetia a isso. E durante vários anos
eu fui uma outra pessoa, não eu mesma!
Quando eu era adolescente não gostava do meu cabelo e as
pessoas a minha volta também não. Isso porque
o padrão imposto pela sociedade é ter cabelo liso. Imposto pela propaganda e publicidade, TV, escola, mundo do trabalho e,
principalmente, pelo preconceito racial no Brasil.
As pessoas de uma
forma geral sempre criticam o cabelo
crespo, encaracolado e ondulado dizendo que ele é ruim, feio, seco e duro. E eu
sou filha de cabeleireira, imagina! A pressão para alisar era grande! Embora
minha mãe também gostasse de cachos, o que mandava na cartilha das
cabeleireiras da sua época era alisar os crespos! E dá-lhe químicas, escova,
secador!
Hoje em dia, os cabeleireiros, em sua maioria, continuam
seguindo a mesma cartilha de alisar. E não oferecem outra opção para os cabelos
cacheados a não ser alisar com progressiva, fazer escova e passar prancha! Para ficar todo mundo de
cabelo bem esticado e fake! E eu que odeio prancha e cabelos lisos e esticados,
convivi anos com este mundo do estica e puxa. E, simplesmente, odiava ir ao
cabeleireiro após a aposentadoria da minha mãe. Porque todos eles não sabiam escovar direito ou arrumar direito
os meus cabelos, salvos alguns poucos, que faziam uma escova modelada, o resto
só queria secar reto e pranchar! Deus me
Livre! Saía correndo!
Bem, quem é crespa encaracolada sabe que este processo todo de
alisa e estica significa um chute na nossa autoestima. E você acaba preferindo
ter um cabelo artificial, mutante, que
não tem a ver com você, do que ficar com ele natural. O cabelo liso fake nunca
fez a minha cabeça, mas também nunca tive coragem de parar com as químicas. Então
era melhor ser alisada, esticada, fake, do que ser crespa, cacheada e volumosa. Graças a Deus, finalmente, eu me
livrei disso!
Quando a
gente para para pensar e refletir vê que há uma forte relação de dominação e
subjugação nisto tudo, de imposição de padrões brancos numa sociedade
majoritariamente formada por negros e miscigenados como a brasileira. As raízes
da nossa escravidão, em relação aos processos químicos de alisamento, está
diretamente ligada ao nosso histórico escravocrata de 400 anos e de exclusão social há mais de 100 anos, que, até
os dias de hoje, ainda separa veladamente os negros dos brancos, induzindo a
todos aos processos de branqueamento via cabelos alisados como forma de
aceitação social. O preconceito é racial e de classe também. E isso tudo
precisa mudar urgentemente!
Autoimagem
Há alguns anos venho procurando meios de adequar a minha
imagem visual a minha identidade pessoal, aos meus valores, a minha essência, a
mim mesma. Porque sempre soube que os meus cabelos lisos fake não eram
adequados. Por mais que eles estivessem bonitos lisos e escovados, modelados e com
brilho etc e tal, eu realmente me sentia fake, não sentia que era eu mesma. Eu
não curtia de verdade meu cabelo e sempre estava mudando. Nos últimos meses, principalmente, eu vivia de cabelo
preso, pois não estava mais suportando a
minha própria imagem. Os meus cabelos
ultralisos de progressiva não tinham nada a ver comigo e resolver isto era uma
coisa urgente, para ontem, questão de
vida ou de morte.
Minhas pesquisas
Eu comecei tudo em 2011, quando fiz
dois cursos de consultoria de imagem. De lá pra cá, estudei, li bastante
e pesquisei muito na internet. Em 2013, quando cheguei em Dublin continuei
pesquisando sobre cabelos, mas tive que voltar a fazer progressiva, pois
simplesmente não encontrei aqui nenhuma alternativa de tratamento mais
suave. Mas desde o ano passado, eu também
comecei a experimentar algumas coisas diferentes, por conta própria em
casa. Comecei a usar produtos totalmente naturais e tentei cortar meu cabelo sozinha! Enfim, a vontade
de mudar era grande! Neste meio
tempo fui encontrando
alternativas muito boas para cuidar dos meus cabelos! Sem agredí-los,
sem humilhá-los, apenas tratando-os com
carinho e valorizando suas ondas! Descobri que é possível ter um cabelo natural macio, com brilho, com
cachos definidos e sem frizz! Olha que maravilha!
O corte
Há poucos meses
decidi intensificar minhas buscas para encontrar um cabeleireiro especializado em cachos aqui em Dublin. E não
é que eu achei! Encontrei o The Curl
Look e fiz um corte incrível, leve, moderno, versátil, o qual sempre sonhei
fazer. E me apaixonei novamente pelos meus cabelos. Agora, realmente, eu posso dizer que completei
a minha própria consultoria de imagem.
Porque ser natural, ser você mesma, se amar, ter autoestima elevada não
tem preço! Minha identidade e meu cabelo finalmente estão alinhados e estou
muito bem!
Expressão
O meu caminho foi de muita pesquisa, busca de informações na
internet, nas redes sociais e conversas
com as pessoas. Muitas vezes, eu me peguei
pensando porque eu estava gastando tanto tempo procurando por isso: uma
forma de cuidar e valorizar meus cabelos naturais? Não era uma questão
meramente de estética, de ficar bonita, de inflar o meu ego. Não! Não mesmo!
Cuidar do nosso cabelo é cuidar da nossa identidade, de deixá-lo livre e a
vontade para ser o que é, sem padronizações, imposições e multilamentos. Cabelo
é mais que estética, ele é o elo mais forte entre você e a sua identidade. É
uma forma de expressão, de mostrar quem você é, o que você acredita, suas
ideias, seus valores, seu astral, seu estilo de vida!
Encrespando geral
Ao entrar neste mundo maravilhoso dos cabelos encaracolados
descobri que eu não estava sozinha, que são muitas, aliás, milhões de mulheres
e também de homens, que querem assumir seus cabelos e a sua beleza natural. Na internet você pode encontrar
milhares de blogs, sites e canais no youtube de gente compartilhando suas técnicas,
suas alegrias, dificuldades e
experiências em processos de transição. Também fiquei conhecendo o movimento
Encrespa Geral que começou no Brasil e
já se espalhou pelo mundo, e agora também será realizado aqui em Dublin, no
próximo sábado, dia 13 de setembro. A
ideia é super bacana, discutir sobre cabelo e identidade, trocar
experiências, dicas de cuidados com o cabelo e como enfrentar o racismo
da sociedade.
Saiba mais
informações sobre o Encrespa Geral Dublin na página do grupo “Cacheadas e
Crespas na Irlanda” no Facebook: https://www.facebook.com/groups/233996176786440/?fref=ts
No Brasil, a terceira edição do Encrespa Geral acontece de setembro a novembro. Em Belo Horizonte, será dia 19 de outubro. Para conferir todas as as cidades e datas de realização dos eventos você pode acessar a página do Encrespa Geral – Comunidade : https://www.facebook.com/ENCRESPAGERAL?fref=ts
O movimento para encrespar
é grande, animado e bem coeso! Não é modismo não! Para mim tudo foi se
encaixando, se tornando uma grande inspiração e agora uma grande conspiração
para eu realmente me aceitar, me amar profundamente e cultivar minha
verdadeira imagem.
Todo poder ao Black! Vida longa aos cachos!
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